Um conto em Amsterdã

O bolinho

 

– Filha… Tá tudo bem…  – ela me disse na maior tranquilidade enquanto arrumava meus cabelos por trás das minhas orelhas.

Eu olhei para ela e toda a imagem ficou distorcida, como aquelas linhas verticais em ondas na televisão dos anos 90.

– Mãe, eu só vou ao banheiro chorar. – e foi o que eu fiz antes de me recompor para encontrar uma solução.

 

Algumas horas antes

Algumas horas antes, era só alegria.

Passeio de verão em Amsterdã. Após alguns dias com minha irmã francesa, uma prima e duas tias, chegou a hora da despedida para cada turma seguir seu destino.

Estávamos todas no hotel montando as malas. Doce ilusão da tia foi guardar um bolinho entre suas roupas porque não havia encontrado um momento oportuno para prová-lo. Logo que viu, minha prima questionou já avisando que a alfândega poderia prendê-la por contrabando.

Assim, minha irmã, minha mãe e eu ganhamos um bolinho, uma vez que nossos horários nos daria algumas horas a mais para degustá-lo. E, ainda no hotel, despedimos de nossas tias e prima e atacamos o doce.

Gosto amargo e ruim. Aparentemente, um delicioso brownie de chocolate, mas totalmente decepcionante para o paladar – para o meu, pelo menos. Devoramos o bolinho mesmo assim.

– Come mais rápido. – disse minha irmã.

– Sim! – eu respondi com a boca cheia de vontade e desgosto.

Minha mãe concordou com um riso e comeu também.

 

Dali, passeamos pelas proximidades do hotel, realizamos o check-out e seguimos para o trem urbano. Eu e minha mãe pegaríamos o avião para Berlim enquanto minha irmã voltaria de trem para Paris.

Depois de longos abraços e beijos, uma despedida até exagerada para quem voltaria a se ver em questão de dias, eu e minha mãe desgrudamos da minha irmã, passamos a catraca e seguimos correndo para o guichê da companhia aérea.

De repente, faltavam 20 minutos para a decolagem e, de alguma forma, nós aguardávamos com ar de alívio e total inocência na fila para o check-in.

– Sorry…

A atendente do guichê começou com “desculpa”. Aí, bateu.

Eu argumentei que queríamos apenas embarcar, que não tínhamos bagagens para despachar, que podíamos correr, que o avião ainda não havia decolado… Mas sabia que a culpa não era dela. A moça foi gentil, sim, mas repetiu: – I’m so sorry. – E que não havia nada que pudesse fizer. Tudo bem.

 

De volta à cena

Aqui, voltamos à cena:

Eu e minha mãe no aeroporto em Amsterdã, sob efeitos desconhecidos, cada uma em seu modo. Eu segurando choro com visão atrapalhada e ela em um estado paz de espírito um tanto suspeito.

– Filha… Tá tudo bem…  – ela me disse na maior tranquilidade enquanto arrumava meus cabelos por trás das minhas orelhas.

Eu olhei para ela e toda a imagem ficou distorcida, como aquelas linhas verticais em ondas na televisão dos anos 90.

– Mãe, eu só vou ao banheiro chorar. – foi o que eu fiz antes de me recompor para encontrar uma solução.

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Sim. Eu fui ao banheiro, chorei, lavei o rosto e fui atrás de outros meios de transporte, já conformada com a perda monetária causada pelo imprevisto descuido – mas que nos deu uma boa e engraçada lembrança.

No fim das contas, eu e minha mãe seguimos de trem.

À meia noite, chegamos à estação da capital marcada por história, reconstrução e forte nacionalismo, sem falar, ler ou qualquer mínima compreensão da língua alemã. Mas, isso é história para outro conto.

Por Amanda Tambara

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